Gênero e comportamento judicial no supremo tribunal federal: os ministros confiam menos em relatoras mulheres?

Diego Werneck Arguelhes, Juliana Cesário Alvim Gomes, Rafaela Nogueira

Resumo


Tribunais constitucionais com frequência se apresentam como instituições particularmente bem posicionadas para defender e promover direitos de minorias, incluindo a igualdade de gênero. No entanto, não é raro que ocorra discriminação de gênero dentro dessas próprias instituições. Embora estudos empíricos venham enfocando o impacto do gênero como variável explicativa das decisões judiciais, estereótipos e hierarquias de gênero podem influenciar do comportamento judicial para alem do conteúdo das decisões - como, por exemplo, na forma pela qual os juízes se relacionam entre si durante as deliberações. Este artigo enfoca uma faceta desse fenômeno no âmbito do processo decisório do Supremo Tribunal Federal. Examinando um banco de dados com todas as decisões tomadas no plenário e nas turmas do tribunal entre 2001 e 2013, analisamos o impacto da variável gênero em duas dimensões do comportamento judicial em um ambiente colegiado. Mais especificamente, testamos se o gênero do(a) ministro(a) afeta o modo como seus(suas) colegas se comportam quando se trata de (i) divergir ou não do voto do relator; e (ii) pedir ou não vista dos autos. Nossos resultados apontam para um possível impacto do gênero nas atitudes dos juízes em relação a mulheres relatoras em uma dessas duas dimensões. Quando o relator do caso é do sexo feminino, os outros juízes têm maior probabilidade de divergir do seu voto. Esses resultados sugerem que certos estereótipos de gênero - por exemplo, a idéia de que as mulheres são menos competentes ou confiáveis, e/ou menos capazes de retaliar - podem ajudar a explicar o comportamento dos juízes no STF e nos tribunais brasileiros em geral.

Palavras-chave


Supremo Tribunal Federal; Comportamento Judicial; Gênero; Estereótipos; Discriminação.

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DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v8i2.5326

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