Jurisdição indígena e pluralismo jurídico na América Latina: estudo de caso sobre a justiça Waiwai

João Vitor Cardoso, Luiz Guilherme Arcaro Conci

Resumo


O estudo ora apresentado busca não só descrever uma relação mais complexa e interativa entre formas jurídicas oficiais e não oficiais, mas também desenvolver hipóteses concernentes ao seu encadeamento, a fim de explorar se o pluralismo jurídico expressa características do constitucionalismo latino-americano. O caso de Denilson Trindade, indígena habitante da comunidade Manoá-Pium, que foi “condenado a waiwaizar”, após ser denunciado pelo Ministério Público por haver assassinado seu irmão, é utilizado para ilustrar o estado da arte do pluralismo jurídico no Brasil. Além disso, explora-se material empírico, proveniente de fontes etnográficas secundárias, bem como a revisão de estudos sociojurídicos acerca dos conceitos trabalhados. Oferta-se ao leitor alguma evidência que talvez possa haver a respeito do pluralismo jurídico no Brasil e, por conseguinte, do reconhecimento da legitimidade de jurisdições indígenas. Uma análise “generalizante” do caso exige um diálogo intercultural, confluindo para o enriquecimento recíproco entre as culturas jurídicas “originárias” e “contemporâneas” da América Latina. A discussão revela que o pluralismo jurídico é um conceito-chave e parte integrante do acervo comum do constitucionalismo latino-americano. Ainda que seja um caso detentor de significado próprio, será preciso observar em outros casos futuros o desdobramento deste precedente. Nestes limites, este estudo traz à baila uma descrição sociojurídica sobre o confronto entre jurisdições estatais e indígenas.

Palavras-chave


Pluralismo Jurídico. Direito Constitucional. Jurisdição Indígena. Waiwai.

Texto completo:

PDF

Referências


ACOSTA, Alberto. O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo: Autonomia Literária, Elefante, 2016.

AFONSO DA SILVA, José. Ordenação constitucional da cultura. São Paulo: Malheiros, 2001.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de Roraima.

Ação Penal n. 0090.10.000302-0. Julgado em 03 de setembro de 2013.

Apelação Criminal n. 0090.10.000302-0. Julgado em 18 de dezembro de 2015.

BERNSTEIN, Lisa. Opting out of the legal system: Extralegal contractual relations in the diamond industry. The Journal of Legal Studies, Chicago, V. 21, n. 1, pp. 115-157, 1992.

BOGDANDY, Armin von. Ius Constitutionale Commune en América Latina: una mirada a un constitucionalismo transformador. Revista Derecho del Estado, Bogotá, n. 34, pp. 3-50, jan.-jun., 2015.

BURMAN, Sandra; HARRELL-BOND, Barbara. The Imposition of Law. Nova Iorque: Academic Press, 1979.

GRIFFITHS, John. What is legal Pluralism? Journal of Legal Pluralism and Unofficial Law, Oxfordshire, V. 18, n. 24, p. 1-55, 1986.

HÄBERLE, Peter. La Constitución como Cultura. Anuário Iberoamericano de Justicia Constitucional, Madrid, n. 6, pp. 177-198, 2002.

HELDER GIRÃO BARRETO, Direitos indígenas: vetores constitucionais. 1ª ed., 6a Reimpressão. Curitiba: Juruá, 2011.

HOWARD, Catherine. Wrought identities: the Waiwai expeditions in search of the “unseen tribes” of Northern Amazonia. 2001. 594 f. Tese (Doutorado). Programa de Pós-Graduação em Antropologia. Faculdade de Ciências Sociais, Universidade de Chicago, Chicago, 2001.

LANG, Miriam. Presentación. In: SANTOS, Boaventura de Sousa. (Org.) Justicia indígena, plurinacionalidad e interculturalidad en Ecuador. 1ª ed. La Paz: Ediciones Abya-Yala, 2012, pp. 9-11.

LLEDÓ PÉREZ, Juan A. Teorías Críticas del Derecho. In: VALDÉS, Ernesto Garzón; LAPORTA, Francisco J. (Org.) El derecho y la justicia. Buenos Aires: Editorial Trota, 2000. pp. 82-102.

MACAULAY, Stewart. Non-contractual Relations in Business: A Preliminary Study. American Sociological Review, Chicago, V. 28, n. 1, pp. 55-67, fev., 1963.

MERRY, Sally Engle. Legal Pluralism. Law & Society Review, Massachusetts, Vol. 22, No. 5, pp. 869-896, 1988.

MONDRAGÓN, Aracely. Interculturalidad, historias, experiencias y utopías. México: Universidad Intercultural del Estado de México, 2010.

MOORE, Sally Falk. Politics, Procedures, and Norms in Changing Chagga Law. Africa: Journal of the International African Institute. Cambridge, Reino Unido, Vol. 40, no. 4, pp. 321-344, Out., 1970.

OLIVÉ, Juan Carlos Ferré. Diversidad cultural y sistema penal. De Jure: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado de Minas Gerais, Belo Horizonte, n. 13, pp. 25-40, jul/dez 2009.

OSORIO, Martín Bazurco; y RODRÍGUEZ, José Luis Exeni. “Bolivia: Justicia indígena en tiempos de plurinacionalidad.” In: SANTOS, Boaventura de Sousa; et al (Orgs.). Justicia indígena, plurinacionalidad e interculturalidad en Bolivia. 1ª ed. La Paz: Ediciones Abya-Yala, 2012, pp. 49-145.

RODRÍGUEZ GARAVITO, César A.; ARENAS, Luis Carlos. Derechos indígenas, activismo transnacional y movilización legal: la lucha del pueblo U’wa en Colombia. In: SANTOS, Boaventura de Sousa; et al. (ed.), El derecho y la globalización desde abajo: hacia una legalidad cosmopolita. Barcelona: Anthropos, 2007. pp. 217-239.

ROULAND, Norbert. Legal Anthropology. Londres: The Athlone Press, 1994.

SANTOS, Boaventura de Sousa.

Law: A Map of Misreading. Toward a Postmodern Conception of Law. Journal of Law and Society, Cardife, v. 14, nº. 3, pp. 279-302, 1987.

Para um novo senso comum: a ciência, o direito e a política na transição paradigmática. São Paulo: Cortez, 2001a.

El Estado y el derecho en la transición pós-moderna: por un nuevo sentido común sobre el poder y el derecho. In: COURTIS, Christian. Desde otra mirada: textos de teoria crítica del Derecho. Buenos Aires: Editorial Universitário de Buenos Aires, 2001b. pp. 273-303.

Reconhecer para libertar os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

Refundación del Estado en América Latina. Perspectivas desde uma epistemologia del Sur. 1ª reimpr. La Paz: Plural Editores, 2010.

(Org.) Justicia indígena, plurinacionalidad e interculturalidad en Bolivia. 1ª ed. La Paz: Ediciones Abya-Yala, 2012.

Cuando los excluidos tienen Derecho: justicia indigena, plurinacionalidad e interculturalidad. In: Justicia indígena, plurinacionalidad e interculturalidad en Ecuador. 1ª ed. La Paz: Ediciones Abya-Yala, 2012.

O direito dos oprimidos: sociologia crítica do direito, parte 1. São Paulo: Cortez, 2014.

SHAFFER, Gregory C.; POLLACK, Mark A., Hard vs. Soft Law: Alternatives, Complements and Antagonists in International Governance. Minnesota Law Review, Vol. 94, pp. 706-99, 2010.

SCHULER ZEA, Evelyn. (Trans)Formações Waiwai. In: Reinaldo Imbrozio Barbosa; Valdinar Ferreira Melo. (Org.). Roraima: Homem, Ambiente e Ecologia. Boa Vista: FEMACT, 2010, pp. 171-194.

STRECK, Lenio Luiz; OLIVEIRA, Fábio Corrêa de. Reflexões sobre o novo constitucionalismo latino-americano. In: SANTOS, Gustavo Ferreira; et al (org.) Direitos e democracia no novo constitucionalismo latino-americano. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2016, pp. 119-144.

SZTUTMAN, Renato. Sobre a ação xamânica. In: GALLOIS, Dominique Tilkin. (org.) Redes de Relações nas Guianas. Série Redes Ameríndias – NGII-USP. São Paulo: Editora Humanitas, 2005, pp. 151-226.

VIEIRA, José Ribas; DYNIEWICZ, Letícia Garcia Ribeiro. Estado Plurinacional na América Latina: diálogo conceitual entre multiculturalismo canadense e teoria pós-colonial. In: DE MORAIS, Jose Luis Balzan; et al. (Orgs.). Novo constitucionalismo latino-americano: o debate sobre novos sistemas de justiça, ativismo judicial e formação de juízes. Belo Horizonte: Arraes Editores, 2014, pp. 18-36.

WOLKMER, Antonio Carlos. Pluralismo jurídico: Fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3ª ed. Revista e atualizada. São Paulo: Editora Alfa Omega, 2001.

YIN, Robert K. Estudo de caso: planejamento e métodos. Trad. Daniel Grassi. 2a Edição. Porto Alegre: Bookman, 2001.

YRIGOYEN FAJARDO, Raquel. Pautas de coordinación entre el derecho indígena y el derecho estatal. Guatemala: Fundación Myrna Mack, 1999.




DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v9i2.6058

ISSN 2179-8338 (impresso) - ISSN 2236-1677 (on-line)

Desenvolvido por:

Logomarca da Lepidus Tecnologia