Planejamento familiar: inimigo a ser combatido, aliado libertador ou falso amigo?

Vinícius Ferreira Baptista

Resumo


O artigo tem como objetivo discutir o sentido de planejamento familiar no que se refere ao limiar entre a autonomia e controle de corpos. Para tal nos apoiamos, primeiramente, nos instrumentos normativos e regulatórios no Brasil, situando os que tratam da fecundidade da mulher; em segundo, em bases teóricas que articulam planejamento familiar, autonomia da mulher e o sentido de família “sustentável” empregado nestes instrumentos normativos e em políticas públicas. Em seguida, recorremos à busca das principais propostas legislativas que tratam da matéria que envolva planejamento familiar. Concluímos, ao longo da argumentação que o planejamento familiar se situa, conceitual e prática, assim como legislativamente, entre a autonomia imperfeita e controle, cabendo a noção de uma agencia desigual e imperfeita em quatro elementos: 1) por ser nivelada entre homens e mulheres na prática e uso dos métodos por “livre” escolha, e nivelada entre mulheres, pela figura da prole “incontrolável” de mulheres pobres que prejudicam o país; 2) porque há clara limitação de agência no que se refere à autonomia de fato, para mulheres, no âmbito do planejamento familiar que não se limite ao mero controle demográfico; 3) pela nítida responsabilização pelo planejamento familiar no âmbito das mulheres; 4) considerando a criminalização de famílias pobres, devendo ter ceifados seus direitos ao planejamento por não serem capazes ao exercício da família. Assim, acreditamos que preenchemos lacuna teórica no âmbito da relação entre planejamento familiar, sem imputar autonomia de forma acrítica com os mecanismos de poder associados.

Palavras-chave


planejamento familiar, políticas públicas, mulheres, autonomia

Texto completo:

PDF

Referências


ÁVILA, Maria Betânia; CORRÊA, Sônia. Movimento de saúde e direitos reprodutivos no Brasil: revisitando percursos – saúde sexual reprodutiva no Brasil. São Paulo: Hucitec, 1999.

BIROLI, Flávia. Agentes imperfeitas: contribuições do feminismo para a análise da relação entre autonomia, preferências e democracia. Revista Brasileira de Ciência Política, Brasília, n. 9, p. 07-38, dez, 2012.

BRASIL. Relatório Final da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito destinada para Exame da incidência da esterilização em massa de mulheres no Brasil. Brasília: Congresso Nacional, 1993.

BRASIL. Lei n. 9.263, de 12 de janeiro de 1996. Brasília: Diário Oficial da União, 1996.

BRASIL. Lei nº 9.656, de 3 de junho de 1998. Brasília: Diário Oficial da União, 1998.

BRASIL. Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 313/2007. Brasília: Diário Oficial da União, 2007.

BRASIL. Projeto de Lei do Senado Federal nº 6567, de 2013. Brasília: Diário Oficial da União, 2013.

BRASIL. Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 962/2015. Brasília: Diário Oficial da União, 2015

BRASIL. Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 5328, de 2016. Brasília: Diário Oficial da União, 2016.

BRASIL. Projeto de Lei do Senado Federal nº 107, de 2018. Brasília: Diário Oficial da União, 2018.

BRASIL. Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 4021, de 2019. Brasília: Diário Oficial da União, 2019.

CAETANO, André Junqueira. Esterilização cirúrgica feminina no Brasil, 2000 a 2006: aderência à lei de planejamento familiar e demanda frustrada. Revista Brasileira de Estudos de População, São Paulo, v. 31, n. 2, p. 309-331, 2014.

CAMIÁ, Gislaine Kuahara; MARIN, Heimar de Fátima; BARBIERI, Márcia. Diagnósticos de enfermagem em mulheres que frequentam serviço de planejamento familiar. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 9, n. 2, p. 26-34, 2011.

DWORKIN, Ronald. A Matter of Principle. Cambridge (Mass.) and London: Harvard University Press, 1985.

FONSECA-SOBRINHO, Délcio. Estado e população: uma história do planejamento familiar no Brasil. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1993.

INSTITUTO GELEDÉS. Esterilização: impunidade ou regulamentação? São Paulo: Geledés – Instituto da Mulher Negra, 1991

LAM, David; MARTELETO Letícia. A dinâmica da escolaridade das crianças brasileiras durante a transição demográfica: aumento no tamanho da coorte versus diminuição no tamanho da família. Belo Horizonte: UFMG/Cedeplar, 2004

MILL, John Stuart. On Liberty. In: On Liberty and Other Essays. Ed. Stefan Collini. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.

NICOLAU, Ana Izabel Oliveira et al. Laqueadura tubária: caracterização de usuárias laqueadas de um serviço público. Revista da Escola de Enfermagem da USP, São Paulo, v. 45, n. 1, p. 55-61, 2011.

NUSSBAUM, Martha. The Frontiers of Justice. Cambridge, MA: The Belknap Press of Harvard University Press, 2006

OSIS, Maria José Duarte; FAÚNDES, Aníbal; MAKUCH, Maria Yolanda; MELLO, Maeve de Brito; SOUSA, Maria Helena; ARAÚJO, Maria José de Oliveira. Atenção ao planejamento familiar no Brasil hoje: reflexões sobre os resultados de uma pesquisa. Cadernos de Saúde Pública, v. 22, n. 11, p. 2481-2490, 2016.

OSIS, Maria José Duarte et al. Atendimento à demanda pela esterilização cirúrgica na Região Metropolitana de Campinas, São Paulo, Brasil: percepção de gestores e profissionais dos serviços públicos de saúde. Cadernos de Saúde Pública, v. 25, p. 625-634, 2009.

PERPÉTUO, Ignez Helena Olivia; WONG, Laura Rodriguez. Desigualdade socioeconômica na utilização de métodos anticoncepcionais no Brasil: uma análise comparativa com base nas PNDS 1996 e 2006. In: MINISTÉRIO DA SAÚDE; CEBRAP (Eds.). Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde da Criança e da Mulher – PNDS 2006: dimensões do processo reprodutivo e da saúde da criança. Brasília: Ministério da Saúde, v.1, p. 85-104, 2009 (Série G – Estatística e Informação em Saúde)

RAWLS, John. A Theory of Justice. Cambridge: Harvard University Press, 2000

RAWLS, John. Political Liberalism. Nova York: Columbia University Press, 1996.

SANCHES, Mário Antônio; SIMAO-SILVA, Daiane Priscila. Planejamento familiar: do que estamos falando?. Revista Bioética, Brasília, v. 24, n. 1, p. 73-82, 2016.

SANTOS, Júlio César dos; FREITAS, Patrícia Martins de. Planejamento familiar na perspectiva do desenvolvimento. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 3, p. 1813-1820, 2011.

SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras; 2000.

SILVA, Raimunda Magalhães da et al. Planejamento familiar: significado para mulheres em idade reprodutiva. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 16, n. 5, p. 2415-2424, 2011.




DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v11i1.6575

ISSN 2179-8338 (impresso) - ISSN 2236-1677 (on-line)

Desenvolvido por:

Logomarca da Lepidus Tecnologia