A remuneração dos serviços de abastecimento de água na França: exemplo para o Brasil?

Patrícia Albuquerque Vieira, Tarin Cristino Frota Mont'Alverne

Resumo


As constituições e os tratados internacionais têm consagrado o acesso à água potável e ao saneamento básico como direitos fundamentais imprescindíveis à dignidade humana. Objetiva-se chamar atenção para a escassez de água potável e de esgotamento sanitário no Brasil, que, aliados à reformulação normativa do saneamento básico, em 2020, sobremaneira no que atine à ampliação da atuação da iniciativa privada no setor, pode culminar em um agravamento da situação. Para que os riscos sejam visualizados empiricamente, optou-se por analisar o modelo francês, que garante o acesso universal a esses direitos, além de possuir uma longa história de privatização e remunicipalização da água. Com isso em vista, questiona-se se Lei nº 14.026/2020 é capaz de promover o alcance universal à água potável e ao saneamento básico no Brasil até 2033, ano proposto pela própria norma. O método empregado é o dedutivo e o procedimento é o monográfico, sendo utilizada a modalidade de pesquisa bibliográfica. O resultado aponta para uma possível regressão dos direitos humanos provocada essencialmente e em decorrência da privatização dos serviços, com efeitos na ineficiência, no controle da qualidade, na abrangência e na redução da participação popular.

Palavras-chave


Crise hídrica; Acesso à água potável e ao saneamento básico; Lei nº 14.026/2020; Acesso universal à água potável e ao saneamento na França; Gestão da água.

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DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v12i3.7900

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