Onde estão nossos direitos? O campo feminista de gênero bordado pelas mulheres atingidas por barragens

Tchenna Fernandes Maso, Tchella Fernandes Maso

Resumo


O artigo registra o trabalho das mulheres pertencentes ao Movimento das Atingidas e dos Atingidos por Barragens (MAB) com arpilleras. Essa é uma técnica popular têxtil latino-americana e constitui-se no caso estudado em um instrumento de denúncia das violações aos direitos humanos. Entre as mulheres do MAB esses bordados representam a construção de um campo feminista de gênero, no qual os recortes estruturais de classe e gênero subsidiaram a percepção das violências sofridas. O objetivo deste artigo é compreender como as atingidas reivindicam seus direitos, se constituem como agentes políticas e enfrentam as violações sofridas por meio das arpilleras. Isso para, desde um estudo empírico, refletir sobre os caminhos epistemológicos da teoria e da prática jurídica. A pesquisa é resultado da práxis da advocacia popular juntamente às mulheres atingidas por barragem (2014-atual). A metodologia utilizada é fruto da costura entre participação-observante, em términos de uma antropologia/sociologia militante, entrevistas e análise de documentos, incluindo os bordados produzidos pelas mulheres. A fundamentação teórica é feminista, descolonial e latino-americana com vistas à construção de um conhecimento crítico do direito, no qual a transversalidade de gênero é reconhecida, bem como a interseccionalidade das opressões. Dentre as conclusões da investigação destaca-se que as arpilleras são uma forma das mulheres do MAB refletirem sobre as desigualdades de gênero e um instrumento para dar visibilidade às violações aos direitos humanos. Diante disso, a costura é um ato de transgressão, memória e organização das mulheres, além de um convite para transformar os modos de produção de conhecimento no campo jurídico.

Palavras-chave


Interseccionalidade; Mulheres populares; Direitos humanos; Feminismo latino-americano.

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DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v10i2.6822

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