Os segredos epistêmicos do direito do trabalho

Pedro Augusto Gravatá Nicoli, Flávia Souza Máximo Pereira

Resumo


Este artigo quer revolver segredos epistêmicos do direito do trabalho. Por meio de pesquisa teórica interdisciplinar, de natureza especulativa e vinculada a campos epistemológicos dissidentes, pretende demonstrar como os processos de intelecção dos fundamentos e categorias do direito do trabalho estão, em si, atravessados pelo poder. Poder que se expressa sob a forma da colonialidade, racismo, sexismo e LGBTfobia. Não como fenômenos secundários ou externos, mas como elementos constitutivos desses saberes. O artigo aproxima a teorização contra-hegemônica vinda desses campos subalternos e os elementos fático-jurídicos do emprego protegido no Brasil, em quatro frentes. No campo das teorias decoloniais, a subordinação jurídica na definição da relação de emprego será discutida em sua colonialidade. Nos feminismos, em dois tempos: a onerosidade, relida a partir dos universos estruturantes das teorias da reprodução social e do trabalho doméstico, e a não-eventualidade relocalizada a partir dos saberes feministas do cuidado e sua complexificação das temporalidades no plural. Em dimensões do pensamento negro contemporâneo radical, faz-se a crítica à pessoalidade, em especial pela lente do afropessimismo. E nos tensionamentos da teoria queer, problematiza a normatização dos corpos humanos como lugar básico da ideia de pessoa física. Em cada um dos pareamentos, os resultados são novas perguntas, que desestabilizam as categorias jurídico-trabalhistas, ao endereçarem a inquietação pelo desvelamento dos segredos. Ao final, conclui-se por uma necessária ampliação das inteligibilidades jurídica dos temas tratados e indicam-se caminhos para uma teoria-outra do conhecimento do direito do trabalho.

Palavras-chave


Direito do trabalho; Epistemologias; Colonialidade; Raça; Gênero; Sexualidade.

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DOI: https://doi.org/10.5102/rbpp.v10i2.6765

ISSN 2179-8338 (impresso) - ISSN 2236-1677 (on-line)

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